quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A gente se acostuma

Professora Lenilse de português. Sexta série no Santo Inácio. Ela distribui um calhamaço de folhas que na capa estava escrito “Tessitura de Vozes”. Lembro de, na época, não entender nada do título. E, pra falar a verdade, até hoje não entendo muito bem esse título. Ainda o acho ruim.

Mas o fato é que adorei aquela reunião de textos bons e guardei por longos anos. Se bobear ainda está perdido por aí em alguma pasta num fundo de armário. Mas na memória mesmo guardei apenas um texto.

“Eu sei, mas não devia” Marina Colasanti

A intenção da autora no texto, eu sabia desde então, era criticar o fato das pessoas se acostumarem com tudo na vida. Ela descreve várias situações da vida moderna como correria, falta de contato, mortes aos montes etc. e diz que não!, não devíamos nos acostumar a esse tipo de coisa. E ainda termina com a frase para sacramentar o argumento dela:

“A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.”


Pois, Marina, te digo o seguinte. Esse texto, já lá na sexta série, aos meus 12 anos, bateu em mim de um jeito totalmente diferente. O oposto da intenção original, eu diria. Inclusive, até hoje, quando me encontro em alguma situação ruim, daquelas osso duro de roer, é no seu texto que penso. Eu não poderia concordar mais conosco. Não digo concordar com você, porque não foi exatamente isso que você escreveu. Nem digo comigo, porque foi através do seu texto que cheguei a essa conclusão.

Mas, de fato, a gente se acostuma a tudo nessa vida! E não é reconfortante? Saber que independente da merda na qual você está, você vai se acostumar a ela. E, por se acostumar, eu não digo ficar nela para sempre. Mas se adaptar às condições que você se encontra, achar aquela zona de conforto que você começa a ver o lado bom da situação e ver que o lado ruim dá para levar.

Alguns poderiam dizer que é conformismo. Outros, podem achar que é, na verdade, otimismo. Mas acho que saber que nos acostumamos com TUDO na vida, uma idéia nada assustadora e, sim, tranqüilizadora.

*

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.

José Gomes Ferreira

2 comentários:

Suzana disse...

mas seu eu-lírico de 12 e Marina escrevem muito bem a quatro mãos. concordo com vcs.

(sssh, cá entre nó, mais com vc do que com ela. ela pra mim é meio feliz demais, meio pollyana, sabe...)

Faber disse...

André, tô sentindo que você está tentando se convencer de que pode se acostumar com alguma situação muito incômoda no momento. Acho que o Paul faria ótimas reflexões sobre esse seu texto...